Falta de alinhamento, crises de consistência de marca e até incentivos diferentes podem gerar olheiras e cicatrizes para quem cuida de branding, mas nem toda história de parceria precisa ser a hora do pesadelo
por Bruno Capelas
Muita gente tem pesadelos recorrentes – sonhos ruins que se repetem constantemente. Para quem trabalha com marca, muitos desses pesadelos costumam estar ligados à difícil relação entre agências e clientes. Pode ser a campanha que é linda, mas não conversa com a estratégia da marca. Ou a percepção de que o post nas redes sociais não tem nada a ver com o comercial de TV que a empresa acabou de veicular. E tem até quem, em tempos de metodologia ágil, vive acordando assustado com uma narrativa (ou melhor, uma entrega) em que a agência nunca consegue chegar ao lugar desejado, porque parece que algo a impede de encontrar seu destino.
Algumas dessas histórias de terror foram parte do último evento que o Purple Metrics fez em São Paulo: nosso Halloween do Purple reuniu mais de 100 pessoas que trabalham com marca e vivem esses dilemas todos os dias. Além de happy hour e networking, o evento contou ainda com uma sessão de terapia marketing jam, com convidados como Marcos Quinteiro, diretor de branding e marketing no Mercado Bitcoin, Laura leal Noce, CMO do Gringo, Charles Omoregie, líder de produtos do Google, e Ken Fujioka, co-founder da ADA Strategy. O papo, que foi mediado pela CEO do Purple Metrics, Guta Tolmasquim, vai render uma série de conteúdos e insights aqui no nosso blog – e este é o primeiro deles.
Desalinho de incentivos.
“É muito comum ver uma marca indo contra o que ela definiu como seu próprio território. Mas por quê?”, disse Guta logo na abertura da discussão, após apresentar os convidados. Com uma carreira de três décadas e passagens por agências como Loducca e JWT, Ken Fujioka destacou dois fatores que ajudam a gerar campanhas confusas.
“Um é a falta de compromisso da criação com a estratégia. Agências são empresas departamentalizadas e cada departamento tem sua agenda – e a da criação pode não ser seguir a estratégia, mas criar um ‘fantasma’ para o Festival de Cannes”, ressaltou. “Não é algo que surge do nada: um profissional que ganha um Leão imediatamente tem mais valor de mercado.” Além disso, o co-founder da ADA Strategy apontou ainda que a “departamentalização” das agências também contribui para esse desalinhamento: cada área está comprometida com as entregas e há um baixo nível de diálogo.
Na sequência, Marcos Quinteiro apontou que a grande parte das agências ainda está vivendo nos anos 1990 – mesmo quando precisa criar campanhas para o cada vez mais ágil mundo digital. “Muita gente ainda não pegou o pace de trabalhar em algo ágil: recebe o briefing, fica 15 dias pensando, faz defesa, aí apresenta proposta criativa. Falta interação e agilidade, algo que já existe no discurso”, conta o executivo do Mercado Bitcoin, que trabalhou . “No nosso negócio, a gente precisa ir além, tentando hackear canais, modelos, mensagens, pra ver o que vai escalar de forma mais efetiva. Tem que ser um processo mais colaborativo.”
O problema é que ambientes colaborativos vão contra outro pilar clássico do mercado: a autoria das ideias – já reparou que muitas agências não têm exatamente um nome, mas sim um… sobrenome? “No modo colaborativo, não importa mais quem deu aquela ideia, o que dá pouco espaço para o ego”, comenta Fujioka, que faz uma análise comportamental ao selecionar pessoas para suas sprints. “Se a pessoa de criação gosta mais de brilhar que todo mundo, não vai funcionar.” Ou, melhor ainda, como a Laura – que também trabalhou com marcas como Sadia e Havaianas – colocou de forma brilhante: “hoje, você precisa se apaixonar muito mais pelo problema da marca do que pelo projeto. Se a campanha ou ideia resolveu o problema, tanto faz como ou quem chegou na saída.”
Para o caos dos canais, autonomia!
Outra ideia, muito próxima à colaboração, também é fundamental para evitar o caos e sobrecarga de trabalho: a autonomia. Se antigamente até CEO da empresa aprovava o filme que ia passar no intervalo da novela, hoje em dia não dá para ter esse nível de comando em controle – afinal, em quantos canais sua marca está presente mesmo?
E aí, não adianta: é preciso colocar todo mundo pra sentar junto. Na ADA Strategy, Ken Fujioka criou uma metodologia colaborativa, na qual clientes, planejadores, criativos e até mesmo líderes têm de sentar lado a lado. “Dá mais trabalho, mas é o que garante a consistência”, afirma. Algo parecido também acontece na experiência de Charles Omoregie, do Google. “Quem trabalha com múltiplos fornecedores sempre corre o risco do conceito se perder. O que sempre me ajudou nesses contextos era ter todo mundo junto na sala para chegar a uma solução”, diz.
Mas não basta apenas afastar as cadeiras e colocar todo mundo numa roda – ou na mesma telinha do Zoom. É preciso ter rituais e soft skills, como conta a Laura., da Gringo “Eu odeio rituais, mas para mim está cada vez mais claro que, operando num modelo ágil de squads, ter esses encontros é o que garante consistência”. Não que isso vá sempre ser garantia de que tudo vá sair 100% correto: “esses dias saiu um tom de azul que não é o da nossa marca num post… mas isso faz parte do processo de dar autonomia para as pessoas.”
Outro conselho dado pelo Marcos – e que vale tanto para agências quanto para quem trabalha com times internos – é lembrar que a marca está em todo lugar (algo que você, como bom leitor do Purple, já está cansado de saber). “Criação não é só post ou sacadinha, é tudo que pode ajudar a empresa, seja otimizando custo ou desenvolvendo um novo produto”, defende Quinteiro.
O diretor de marketing e branding do Mercado Bitcoin conta ainda que criou um playbook de deployment e estabeleceu um ritual de branding critique, colocando materiais de todas as áreas – UX, comercial, produto, etc – para serem avaliados. “Com o tempo, eu não precisava mais ser o xerife do branding: as pessoas começavam a mostrar o que estava errado por conta própria e a gente corrigia.” É um ritual que cria cultura – e como dizia o velho Peter Drucker, “a cultura come a estratégia no café da manhã.”
E nesses rituais, é importante encontrar alguma forma de envolver dois tipos de profissionais: gente que manja de dados (para conseguir metrificar os resultados de branding!) e as lideranças – dois perfis que Ken Fujioka coloca sempre nos seus grupos de trabalho. “A pessoa decisora tem que estar na sala para entender o processo, se não, aumentam as chances de ter dinheiro, tempo ou motivação da equipe perdidos. Além disso, ela tem poder de veto, mas precisa argumentar sempre porque está usando”, diz Ken Fujioka, já emendando numa outra conversa que teremos em breve – como evitar todo mundo em pânico com a alta liderança.
E por falar em conversa para termos em breve, você já ouviu a palavra do at Purple Metrics para metrificar seus resultados de branding? Não? Então talvez seja a hora de você sair dessa Sexta-Feira 13 e encontrar a luz com a gente.