A verdadeira inovação em marketing não está nas tendências passageiras, mas na exploração de novos canais de mídia. Enquanto princípios clássicos permanecem válidos, a abertura de novas mídias oferece oportunidades de crescimento. No entanto, requer testar, assumir riscos calculados e adaptar estratégias ao longo do tempo para garantir resultados sustentáveis e diferenciação competitiva.
por Marcelo Ferrarini
“Em marketing só existe uma constante: a mudança”.
Quem nunca ouviu isso? É lugar comum em pitchs de agências ou consultorias, em que alguém projeta o FOMO de não estarmos por dentro da última tecnologia, do último momento cultural ou do mais novo influencer para vender um novo produto ou serviço. Nem a literatura acadêmica escapa da suposição de que tudo muda toda hora.
Kotler, eu te amo. Mas, com todo respeito, Marketing não é iPhone – não precisa sair um por ano.
Mas será que é verdade que tudo está sempre em constante mudança em marketing?
A resposta simples é que não. Os conceitos e leis que fundamentam uma boa estratégia são os mesmos independente da categoria, geografia ou grupo de consumidores. Você precisa de um diagnóstico bem estruturado, público alvo, posicionamento, objetivos, para só então discutir táticas. Precisa focar em alcance ao invés de lealdade, recrutar consumidores que compram pouco a categoria, e produzir peças criativas memoráveis e que gerem uma reação emocional. Esses são conceitos que funcionam aqui na Inglaterra, aí no Brasil, na China, no B2B, B2C, e por aí vai.
A mesma ideia explica o comportamento de compra do consumidor. O cérebro humano se desenvolveu por milhões de anos e ainda é praticamente o mesmo daquele do homem que caçava na savana e fugia de leões para não ser comido. Tomamos a maioria das nossas decisões de forma rápida (Sistema 1), cheia de vieses, buscando atalhos, e influenciados por redes de memórias mais ativas.
A lenda da publicidade Bill Bernbach eternizou esse sentimento nessa brilhante citação:
“Foram milhões de anos para o instinto do homem evoluir. Vão levar milhões mais para que eles ao menos variem. Está na moda falar no homem que está sempre mudando (changing man). Um comunicador deve estar preocupado com o homem que não muda (unchanging man), com o seu ímpeto obsessivo de sobreviver, admirar, ter sucesso, amar, e cuidar de si próprio.”
Boom!
William Bernbach, diretor criativo em publicidade e o B da Doyle Dane Bernbach (DDB) como seu cofundador.
Dito isso, é claro que algumas coisas evoluem. A maturidade de novas ideias e o surgimento de novas tecnologias impactam preferências e hábitos dos consumidores, o que demanda resposta à altura de um bom marqueteiro. Mas dentre as muitas tendências discutidas no debate público – AI, personalização, sustentabilidade, fandom, privacidade, para citar algumas – uma se destaca, e não deveria nunca fugir do nosso radar: a área de novas mídias.
É na arena de novos canais de mídia que a inovação em marketing realmente acontece.
Por quê?
Digo isso por dois motivos. O primeiro é que a abertura de novos canais está sob nosso controle e influência direta. Sem a gente, a inovação não acontece. Segundo, que quando realizada com sucesso, entrega crescimento comercial desproporcional e ganho de participação de mercado em relação a competidores mais lentos. Marcas crescem através da aquisição de novos clientes, e a abertura de novos canais abre a possibilidade de expor sua marca para pessoas que ela ainda não alcançou.
Inovação em outras áreas também são importantes, mas mais incertas e distantes. Desenvolvimento de novos produtos geralmente é liderado por um time de engenharia, com input indireto do marketing e baixa taxa de sucesso comercial. A situação é semelhante na inovação em canais de distribuição: o potencial de crescimento é alto, mas geralmente está nas mãos de um time comercial ou de vendas.
O uso de dados e analytics de forma inovadora até tem a influência mais direta do marketing, mas resultados sustentáveis no longo prazo hoje são muito debatidos (por exemplo uso de dados para targeting e personalização de mensagens, e o quanto isso realmente gera retorno).
A própria história da inovação em marketing se confunde com a história de mídias emergentes. Na lista de “principais inovações que influenciaram a prática do marketing” do Wikipedia, 23 dos 37 bullet points se referem de alguma forma a um canal de mídia. A lista vai da distribuição de panfletos viabilizada pela invenção da Prensa de Gutenberg em 1450 até a invenção das mídias sociais no começo dos anos 2000. Não é o argumento mais científico que você já ouviu… mas pegou o ponto?
Fonte: Wikipedia
Vamos para um exemplo recente: um tal de TikTok. Não sei se vocês lembram, mas há poucos anos a rede era ridicularizada em círculos de marqueteiros. “Ah, agora tudo é TikTok!”, “TikTok só tem GenZ fazendo dancinha”, “é só mais um hype”…
Bem, ninguém está rindo agora. E as marcas que testaram essa plataforma lá atrás estão bem mais preparadas, com aprendizados baseados em tentativa e erro.
Fontes: data.ai, CNBC, company data
Um dos meus exemplos favoritos é o da Netflix. Mesmo sendo competidora indireta do TikTok, usa o canal para divulgar conteúdo e construir marca com os seus mais de 40 milhões de seguidores (!) e mais de 1 bilhão de likes (!!). A página americana da marca no Instagram tem 34 milhões de seguidores.
Fonte: TikTok
Com a explosão no surgimento de novos canais no começo dos anos 2000, o declínio das mídias “tradicionais”, e o aumento do custo por visualização, esse tipo de inovação se torna ainda mais importante. É mais difícil “ganhar o sistema”. Saber orquestrar esse diferentes canais de acordo com o posicionamento da marca e objetivos de campanha se torna uma habilidade ainda mais necessária.
Mas como todo investimento em inovação, ele não vem sem riscos. Por exemplo, quando o Facebook pivotou e virou Meta para investir na promessa do Metaverso, algumas marcas rapidamente entraram para testar novas ativações – Nike, Gucci, entre outras. Eu ainda não encontrei evidência de retorno comercial dessas iniciativas, e na minha opinião ainda vão demorar anos para vir. A própria Meta já pivotou de novo do Metaverso para IA, e o Zuck já nem fala muito mais sobre o assunto. Muita gente tirou sarro e culpou o hype.
Existe razão no ceticismo, mas quem só critica está perdendo a lição mais importante nessa história toda: essas iniciativas são tentativa e erro, com risco calculado. Essa foi a mudança de perspectiva que eu demorei um pouco pra entender, porque estava preso na indignação coletiva da aparente irracionalidade em achar que o mundo de repente iria viver de criptomoedas e NFTs. A minha recente experiência gerenciando campanhas e vendo a importância de navegar por mídias emergentes me ajudou a mudar de ideia.
Vejam só – a própria empresa em que eu trabalho, a LEGO Group, resolveu investir forte na Epic Games, dona de um dos games mais populares do mundo e referência mundial na experiência que hoje mais se aproxima de um metaverso real, o Fortnite.
Sempre existe tempo pra mudar de ideia.
Dito isso, um ponto importante. Mesmo em mídia, as mudanças não acontecem de uma hora para outra, como alguns thought leaders deixam a entender. A mudança é gradual. Já declararam que a TV estava morta dezenas de vezes, mas apesar do seu declínio em importância, ainda é de longe um dos melhores canais para construção de marca e resultados comerciais. Novas mídias vem para adicionar novas ferramentas ao arsenal do marqueteiro, não derrubar as suas predecessoras.
Conclusão: Dica de Marqueteiro.
Nem tudo está sempre mudando no marketing, e supostas novas tendências e hype muitas vezes mais atrapalham do que ajudam a construir uma estratégia sólida.
Mídia merece um olhar mais atento. Descobrir e explorar novos canais de distribuição de conteúdo é uma das melhores formas de gerar crescimento desproporcional e ganhar market share. Inovação em marketing acontece no reino das mídias emergentes
Dito isso, como toda inovação, ela requer tomada de risco. O segredo está em saber dosar o orçamento (uma “rule of thumb” é apostar em 10% do orçamento total), implementar ferramentas certas para medir resultados, testar, e monitorar o desempenho do canal no decorrer do tempo.
O cientista e futurista americano Roy Amara disse que “tendemos a superestimar os efeitos de uma tecnologia no curto prazo e subestimar os efeitos no longo prazo”. A mesma abordagem cairia muito bem para a gestão de novas mídias.
Sobre o autor
Marcelo Ferrarini é Gerente de Marketing Sênior no LEGO Group, responsável global pela estratégia de go-to-market das linhas de IPs de Entretenimento, incluindo LEGO® Star Wars™, LEGO® Harry Potter™, LEGO® Marvel e LEGO® Jurassic World. Anteriormente, atuou como gerente regional de marca para a Europa Ocidental e como business partner na equipe de Global Insights. Antes de ingressar no LEGO Group, trabalhou por 10 anos na consultoria de gestão de marcas Interbrand, em São Paulo e Londres, onde reside atualmente. É bacharel em Administração de Empresas pela FGV EAESP e professor convidado no curso de Estratégia de Marcas da London Business School.
Gostou deste conteúdo? Veja também:
Como as marcas crescem: da teoria à prática do “How Brands Grow” como CRO na Buser