Atire a primeira pedra quem nunca teve de reagir a uma decisão inesperada “de cima”: do CEO que não acredita em branding ao budget cortado, passando por egos, achismos e cultura difícil, são muitas as histórias de horror – mas especialistas garantem que dá pra ter final feliz
por Bruno Capelas
Não são poucos os filmes de terror que têm grandes vilões: Jason, Freddy Krueger, Chucky, Ghostface, Pinhead e até mesmo Drácula são nomes que qualquer fã do gênero conhece. Mas para quem trabalha com branding, às vezes o vilão pode estar bem próximo: na alta liderança. Do novo CEO que não acredita em branding àquele corte de budget inexplicável, passando por líderes que vivem numa bolha e founders que acham que a marca se confunde com sua própria identidade, todo gerente de marca já teve uma história de arrepiar os cabelos para contar sobre alguma ingerência vinda de cima.
E da mesma forma que tem gente que gosta de ver filme de terror com os amigos, aqui no Purple Metrics a gente gosta de compartilhar essas histórias coletivamente – não só para rebater o trauma, mas também para se fortalecer e descobrir saídas e caminhos. Algumas dessas narrativas de pavor apareceram na roda de conversa do Halloween do Purple, realizado em meados de outubro em São Paulo. Além dos episódios que a gente só conversa sobre à boca pequena, no happy hour, teve ainda muitos dicas de sobrevivência ensinamentos na jam session que reuniu Marcos Quinteiro, diretor de branding e marketing no Mercado Bitcoin, Laura leal Noce, CMO do Gringo, Charles Omoregie, líder de produtos do Google, e Ken Fujioka, co-founder da ADA Strategy – além da nossa CEO, Guta Tolmasquim, na mediação. Foi tanto ensinamento, na verdade, que esse texto é parte de uma série sobre o evento, que você pode conferir aqui.
Confira o primeiro artigo da série Histórias de Terror de Branding:
Como evitar que ‘agência vs. cliente’ seja o novo ‘Jason vs. Predador’?
Na bolha.
Ninguém – nem mesmo o CEO de uma empresa – é obrigado a saber todas as coisas. Aliás, liderar muitas vezes está mais ligado a uma capacidade interpessoal, de confiar e motivar as pessoas, do que exatamente a saber algo. Mas tem gente que se confunde e acha que sabe de tudo, mesmo quando não liga para o tema.
São os líderes que adoram o que a Laura Noce Leal, da Gringo, chamou de “pesquisa de Rafael”. “Pesquisa de Rafael é o seguinte: numa reunião, o CEO fala que todas as crianças gostam de jogar futebol, porque o filho dele, o Rafael, adora jogar futebol. De repente, tudo que o Rafael faz começa a virar uma verdade – e quando você vê, começam a chegar uns projetos meio loucos”, lembra a CMO do Gringo, que já passou por marcas como Sadia e Havaianas.
Ela conta que a “pesquisa de Rafael” não serve só para criar ideias, mas também para explicar porque as coisas deram certo. “Eu trabalhei numa marca que era líder de mercado, mas que em São Paulo, tinha a menor diferença para o primeiro concorrente. O CEO achava que era porque nossas propagandas eram sempre na praia. Nós então fizemos duas coisas: de um lado, fizemos uma propaganda com o Edifício Altino Arantes e a Ponte Estaiada no fundo. Do outro, fizemos um baita trabalho de base, olhando para produto, redesenhando portfólio e… ganhamos 10 pontos de market share. Mas pro CEO, o que fez diferença foi mesmo a Ponte Estaiada”, diz Laura.
E o que dizer de decisões da liderança que falam mais sobre o coração do que sobre a razão? Muitas vezes, elas tem a ver com futebol: no papo, o Marcos Quinteiro lembrou da época que o Mercado Bitcoin resolveu patrocinar o Vasco da Gama, time do coração de um dos fundadores. O problema é que o contrato era longo, o Vasco foi rebaixado e, para piorar, o mercado de criptomoedas também, entrando no chamado bull market. Com uma exposição dessas, imagina o trabalho pra convencer o consumidor que bitcoin também não ia entrar em baixa?
Já o Charles Omoregie, do Google, lembrou de quando trabalhou em agência para uma marca que tinha tudo a ver com o público jovem, fã de games e de streaming, mas que insistia em fazer campanhas nos jogos do Brasileirão. “Não bastava a gente mostrar dados dizendo que o território de marca era outro, o cliente teimou e não trouxe resultado. Faz parte do processo”, contou.
Levou pro pessoal.
Para quem trabalha com marca em startup, outra questão que costuma acontecer muito é uma certa transferência, como diriam os psicólogos, da identidade da empresa e dos fundadores. “Quem é founder é muito apaixonado – especialmente no começo da empresa, em que não tem time para tocar e a pessoa é que cuida da marca. E às vezes, quando se faz algum apontamento sobre a marca ou o produto, parecia até que eu estava batendo na pessoa”, brincou o Charles, que costuma dar consultoria para novas empresas no Google for Startups.
Desse tipo de situação, ele aprendeu uma lição. “Se você é uma pessoa que gerencia marca e está numa situação dessas, o primeiro passo é entender como a liderança funciona e embasar com dados. Se a liderança não aceitar, pelo menos você fez seu papel.” Em outros casos, esse zelo dos fundadores pode gerar outro problema: desmotivar o time, como conta a Laura.
“Já trabalhei numa startup em que os fundadores eram tão minuciosos com os detalhes que era exaustivo. Nunca vou esquecer do caso de um redator que foi chamado para corrigir um ponto final no copy de um post num sábado – o coitado teve que pedir computador emprestado no calçadão de Santos pra resolver”, diz ela, que recomenda paciência às equipes que vivem assim – e um chá de autonomia pras lideranças, bem como o lembrete de que acertar e errar faz parte da vida das empresas. (Se bem que ponto faltando nem dá pra chamar de erro, né?).
Na visão do Ken Fujioka, só há um remédio para evitar que a liderança chegue na área do branding como um elefante na loja de cristais: tem que colocar os gestores para participar dos projetos e das sprints, com noção de seu poder. “No nosso método, toda pessoa decisora tem poder de veto – porque talvez ela tenha uma informação que o resto do time não tem. Por outro lado, quando esse poder é usado, é preciso argumentar porque o time está fazendo aquilo e às vezes, a explicação vale mais que o veto em si”, diz. “Sem isso, a chance de ter dinheiro, tempo ou motivação da equipe perdidos é muito grande.”
Apertem os cintos, o dinheiro sumiu.
Sabe o que também desmotiva um time? Falta de budget. Quem nunca viveu uma história de que a liderança acha que branding não dá resultado? Ou uma crise em que, na hora de enxergar a torneira, todo o orçamento fica com o time de performance? O pior é que, em certos casos, são decisões que não dá nem pra questionar – como aconteceu com o Marcos Quinteiro, no Mercado Bitcoin: a empresa tinha um reposicionamento de marca pronto para ir ao ar… bem na época em que o mercado de criptoativos começou a derreter em valor, no começo de 2022. Do dia pra noite, o time se viu sem grana e foi preciso ter saídas criativas.
No Halloween do Purple, Marcos contou como tem feito para trabalhar branding sem orçamento. “Como a marca é tudo o que a gente faz, decidi colar em todas as áreas. Se os times de conteúdo e growth têm verba, mas eu não, vou beber da verba deles e trabalhar a marca dentro dessas áreas”, contou ele. A outra iniciativa é tentar usar dados, sempre eles, pra se defender, como sugeriu o Charles com base no tempo que ele trabalhava diretamente com branding.
“Do ponto de vista objetivo, eu aprendi que sempre que as campanhas de branding estavam ligadas, o custo de aquisição diminuía – e vice-versa. E mesmo quando a verba não está presente, as pessoas vão precisar entender sua mensagem, então é preciso cuidar da consistência”, afirma. Ele também sugeriu outro hack simples, mas útil para quem estiver contando moedinhas: “quando acabar o dinheiro, o mais importante é deslocar os esforços para a praça prioritária. Tem gente que não consegue pivotar assim, mas precisa de malemolência – e aproveitar que hoje é possível metrificar branding em tempo real”. Como? Fala com o Purple.
E como liderar?
Para quem é líder e está lendo esse texto, a gente tem ainda alguns recadinhos. O primeiro é lembrar que dar autonomia para os times é importante. Às vezes, é fácil: a Guta, por exemplo, lembrou das características principais das campanhas de Havaianas que ajudaram a dar consistência para a marca – o humor, a brasilidade, a presença de alguma celebridade. “Nada era feito por acaso”, disse a Laura, que confessou que, por outro lado, essas características ajudavam a superar qualquer estranheza ou deslize que tivesse sido cometido no meio do caminho.
Pra quem não tem a sorte de trabalhar em uma marca tão reconhecida, porém, o Charles sugere paciência e perseverança. “Se a marca é nova, as pessoas ainda não têm tanto espaço para se relacionar, então é preciso buscar manter a consistência. No entanto, se os elementos estiverem presentes, a marca pode se tornar forte e os detalhes vão se tornar triviais. Vai ficar tudo bem mesmo que o time não use a tipografia 100% correta”, disse.
Paciência, foco e perseverança, aliás, é uma lição que valeria a muitos personagens de filmes de terror. Pra quem não é íntimo do gênero, vale a dica: não adianta sair achando que você vai se dar bem se tentar bancar o herói do comando e controle. Melhor que isso é confiar em quem tá do seu lado e não se desesperar – e nada de sair gritando que nem a Neve Campbell fugindo do Ghostface, viu?